No dia 6 de novembro de 2024 o Supremo Tribunal Federal (STF) validou o fim do regime jurídico único para servidores públicos. O Plenário da instituição, por maioria dos votos, declarou a constitucionalidade de trecho da Reforma Administrativa de 1998 (Emenda Constitucional 19/1998), o qual suprimiu a obrigatoriedade de regimes jurídicos únicos (RJU) e planos de carreira para servidores da administração pública direta, das autarquias e das fundações públicas federais, estaduais e municipais. Houve o entendimento que não houve irregularidades no processo legislativo de aprovação da emenda.
A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de validar o fim do regime jurídico único para servidores públicos representa um marco que gera grande preocupação entre todas as categorias do serviço público. O discurso principal é de “modernização” e adaptação aos “novos tempos”. No entanto, o que está por trás dessa flexibilização é algo preocupante, pois traz inúmeras ameaças: a) à estabilidade e ao serviço público de qualidade; b) redução de direitos trabalhistas; c) risco de desigualdade e fragmentação interna; d) ameaça ao Princípio da Impessoalidade e Moralidade; e) riscos à aposentadoria dos servidores públicos.
1. Ameaça à Estabilidade e ao Serviço Público de Qualidade
Uma das principais garantias do regime jurídico único é a estabilidade dos servidores, que visa a proteção de influências políticas e de pressões externas. Esse regime permite que possamos cumprir nossas funções de maneira independente, colocando o interesse público acima de interesses particulares. O fim dessa proteção pode levar à politização dos cargos, uma vez que gestores podem optar por substituir servidores de acordo com conveniências pessoais ou políticas, o que, em última análise, compromete a continuidade e a qualidade do serviço público. Em uma outra ocasião, por ocorrência da contratação de comissionados, um representante do TJPE à época chegou a dizer: “se aborrecer podemos demitir”. Ou seja, há riscos à continuidade e estabilidade do trabalhador, da independência técnica, aumentando a pressão por uma política de subserviência.
2. Redução dos Direitos Trabalhistas
O regime jurídico único garante direitos específicos para os servidores, como progressão na carreira, licenças e outros benefícios que incentivam o desenvolvimento contínuo. Com o fim desse regime, há o risco de que quem almeje entrar no serviço público passe a ser contratado sob condições menos vantajosas, sujeitas a contratos temporários e regimes celetistas, que não oferecem a mesma segurança e benefícios. Isso pode levar ao desestímulo de novos profissionais e à perda de talentos no setor público, já que esses possíveis novos servidores contratados pela CLT podem optar por migrar para o setor privado, onde as condições podem se tornar mais atrativas.
3. Risco de Desigualdade e Fragmentação Interna
O regime único oferece uma estrutura de isonomia entre os servidores, ou seja, garante que profissionais que desempenhem funções semelhantes tenham direitos iguais. Com a possibilidade de diferentes regimes, há o risco de fragmentação nas condições de trabalho e remuneração, criando uma desigualdade interna entre que gera a quebra de unidade e identidade, diante de regimes e planos diferenciados. Isso resulta, invariavelmente, em desafios maiores para a organização da luta sindical.
4. Ameaça ao Princípio da Impessoalidade e Moralidade
Ainda é preciso destacar que o regime jurídico único foi criado para evitar práticas de favorecimento e para garantir o compromisso do servidor com o interesse público, acima de pressões externas. A flexibilização para contratação sob regimes variados pode abrir espaço para contratações menos transparentes e para o aumento do clientelismo. Isso representa um risco à impessoalidade e à moralidade na administração pública, prejudicando a confiança da sociedade nas instituições públicas.
5. Riscos à aposentadoria dos servidores públicos
Com a criação de múltiplos regimes jurídicos para os servidores públicos, surge uma preocupação adicional no que se refere à previdência dos servidores. A adoção de regimes distintos, como o celetista (regido pela CLT) e o estatutário, implica uma fragmentação dos direitos previdenciários, gerando desafios que podem afetar tanto os servidores quanto o sistema previdenciário público como um todo.
5.1. Desigualdade nos Benefícios Previdenciários
O regime jurídico único proporciona um sistema previdenciário específico para os servidores estatutários, cujas condições de aposentadoria são diferenciadas devido à natureza de seu vínculo e compromisso com o serviço público. Com o fim desse regime único, servidores regidos pela CLT, por exemplo, não terão direito ao Regime Próprio de Previdência Social (RPPS) — que oferece garantias específicas — e serão incluídos no Regime Geral de Previdência Social (RGPS). Esse regime oferece benefícios e regras de aposentadoria diferentes, geralmente menos vantajosas, podendo gerar desigualdades de tratamento entre servidores que exercem funções semelhantes. Isso cria um ambiente de desmotivação e insegurança para o trabalhador, além de comprometer a atração de talentos para o setor público.
5.2. Risco de Fragilidade Financeira do RPPS
A divisão dos regimes também pode comprometer a sustentabilidade financeira do Regime Próprio de Previdência Social (RPPS), pois este depende das contribuições dos servidores estatutários para se manter viável. Com a diminuição de servidores sob o regime estatutário, o RPPS corre o risco de se tornar deficitário, já que haverá menos contribuintes para financiar os benefícios dos aposentados. Isso pode levar a uma sobrecarga nos cofres públicos para cobrir os déficits do regime, impondo pressão fiscal sobre o Estado e, eventualmente, resultando em mudanças ou ajustes que prejudiquem os direitos dos servidores.
5.3. Ameaça ao Planejamento de Vida do Servidor Público
Por fim, essa divisão de regimes cria incertezas no planejamento de carreira e aposentadoria dos servidores. Muitos ingressam no setor público com a expectativa de uma estabilidade previdenciária proporcionada pelo regime estatutário, que pode ser colocada em risco com o fim do regime jurídico único. Essa instabilidade pode fazer com que muitos servidores repensem sua permanência na carreira pública ou até busquem oportunidades no setor privado, em busca de uma previdência mais previsível e segura.
Desafios ao Movimento Sindical
Em síntese, o STF validou a precarização do serviço público. É a consolidação da reforma administrativa da época do Governo de Fernando Henrique Cardoso. As consequências, conforme apresentamos acima, são inúmeras, complexas e profundas.
Diante disso, os desafios ao movimento sindical aumentam, para resistir à intensificação da precarização do trabalho e da fragmentação da categoria. Precisamos ainda mais de unidade para enfrentar tais desafios.
SINDJUD-PE
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