Opinião: “As regalias da nobreza pernambucana de 2017 vilipendiam a memória dos revolucionários de 1817.”
* Por Marcondes Araújo e Murilo Noronha
Um acordo, nada republicano, mas com uma aparência de legalidade entre os três poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário), da atual nobreza pernambucana concedeu um mimo às Excelências do Judiciário estadual com a aprovação de uma Lei nº 1200/2017, em 15/03/2017, possibilitando que a magistratura do judiciário do estado possa majorar a verba do malfadado auxílio-moradia, que passa de R$ 4 mil mensais, além do teto de 10% dos seus “salários”, previstos pelo CNJ, e ainda a um só tempo, transformou o auxílio-alimentação em verba indenizatória e com isso, livrar-se do impedimento legal de recebê-la junto aos subsídios.
Isso nos remete aos caprichos da Corte Portuguesa, quando em terras brasileiras, há mais de dois séculos, para continuar a vida opulenta da Coroa, impondo uma carga tributária ao seu bel sabor sem se preocupar se o povo suportaria.
Esse regalo, como diriam os espanhóis, foi algo mais significativo do que as irônicas medalhas concedidas, dias atrás, aos atuais séquitos da realeza pernambucana que ocupam o Palácio do Campo das Princesas, agraciados em uma “homenagem” comemorativa aos 200 anos da Revolução Pernambucana de 1817. É ou não surreal?
O presente, dado a juízes e desembargadores pelos nobres deputados, da Casa de Joaquim Nabuco, vai além da entrega das chaves dos cofres públicos às Suas Excelências, pois que, se antes já se sentiam donos do judiciário pernambucano, agora têm poder de fato.
Explica-se: A Lei aprovada é um verdadeiro cheque em branco para que os membros dessa nova realeza, que vive encastelada dentro do judiciário, possam fazer o que bem entender com os recursos que são destinados ao judiciário local. Suas Excelências parecem desconhecer as agruras e as dificuldades pelas quais passam o povo Pernambucano.
Sendo assim, o imoral, indecente e aviltante auxílio-moradia não tem mais um teto. Parece uma piada com trocadilho mal feito, mais é algo pior. Magistrados que residem em tetos luxuosos não têm mais teto (limite) que impeça majorar o auxílio-moradia, enquanto os sem-teto (sem moradia) não têm qualquer auxílio. “Quem é rico mora na praia, mas quem trabalha não tem onde morar. Ô tempo duro!” Cantemos.
Suas Excelências estão autorizadas pela Assembleia Legislativa (presidida, pelo jeito, vitaliciamente, por um ex-juiz) e pelo Governador (que beneficia, nesse ato, sua própria esposa), a usarem o dinheiro público para se autoconcederem privilégios. É a “legalização” da farra com dinheiro público.
Para rechear o “presente”, também transformaram o auxílio-alimentação em verba indenizatória, o que retira o valor do limite de gastos com pessoal, burlando, para Suas Excelências, a Lei de Responsabilidade Fiscal, ou seja, com essa manobra a Magistratura Pernambucana, conseguirá, mais uma vez, majorar seus altos subsídios, usando o famoso jeitinho brasileiro, que ela tanto diz combater, naqueles a quem julga por desvio de dinheiro público.
Embora o Presidente do TJPE afirme que não haverá reajuste, a medida adotada abre a possibilidade para que, caso o STF ponha fim ao indecente auxílio-moradia, o judiciário local poderá transferir o valor da indecência para o auxílio-alimentação, num passe de mágica e “dentro da lei”.
Acontece que a verba do auxílio-alimentação também não deveria ser paga as Suas Excelências, posto que, com a transformação da remuneração dos magistrados em subsídio, em 1994, ela e outras gratificações foram incorporadas, e estabeleceu-se um teto, que só pode ser ultrapassado por custos suportados no exercício da magistratura, ou seja, quando os magistrados efetivamente suportarem custos de natureza indenizatória.
Transmutar a natureza de gratificação do Auxílio-alimentação em indenizatória é algo que merece mais que uma reprimenda social, haja vista que juízes, desembargadores, promotores de justiça, ministros, conselheiros não se encaixam no perfil da maioria dos trabalhadores assalariados, sabendo-se que a renda média dos pernambucanos não ultrapassa R$ 1.600,00, segundo dados do DIEESE. E esse valor é pago aos magistrados, apenas de auxílio-alimentação, enquanto os servidores do TJPE, que de fato tem direito a tal auxílio, recebem apenas a metade desse valor. Com essa manobra espúria, não há outra adjetivação para isso, o auxílio-alimentação dos magistrados poderá passar da casa dos R$ 6.000,00. É a “legalização” da farra com dinheiro público.
A lei parece ter sido acolhida depois que veio a público os “conselhos” de um Promotor de Justiça de Pernambuco, em áudio que viralizou nas redes sociais, sugerindo um “jeitinho” (uma alteração legislativa para em caso do STF vedar o Auxílio-moradia, o MPPE deveria utilizar os recursos orçamentários para majorar o auxílio-saúde) para não perder a mamata do auxílio-moradia
Quem diria: nem o Ministério Público, a quem o constituinte lhe impôs a tarefa de custos legis, escapa da cobiça de se apossar de dinheiro público de forma transversa.
Esse mesmo Governador e seus Deputados, aliados na ALEPE, negaram melhorias reais no salário dos policiais militares e negarão reajustes ou recomposições de perdas a todos os servidores públicos do estado de Pernambuco, a pretexto da crise econômica. Embora, previstos pela Constituição Federal do Brasil.
Pela prática, já corriqueira, temos visto que Suas Excelências, assim que receberem o novo valor astronômico de auxílio-alimentação, vão arrumar um outro “jeitinho”, de buscar seu retroativo de cinco anos. Essas estratégias têm levado muita grana para a nova nobreza dos poderes constituídos.
Nesses moldes, deram-se os pagamentos da PAE (Parcela Autônoma de Equivalência), que foi para muitos uma mãe, pois teve magistrado, à época, recebendo mais de R$ 450 mil numa só tacada. Pagamento do auxílio-alimentação retroativo. Algo incabível e inimaginável para qualquer cidadão pagador de impostos. Lembrando, é claro, que apenas a Realeza do judiciário teve direito a receber a URV (Unidade Real de Valor), que era um direito de todos os demais trabalhadores.
A magistratura, na qualidade de classe trabalhadora (embora a maioria, não queira ser chamada, nem de servidores públicos, imaginem de classe trabalhadora), tem todo o direito de lutar por melhores condições remuneratórias e por recomposições “salariais”, mas isso deveria ser feito de outro modo, reivindicando como os demais trabalhadores, que se submetem às regras constitucionais, tendo inclusive descontos em caso de engajamento em paralisações.
Quando pedem esses auxílios e em seguida reivindicam o retroativo estão ferindo de morte a ética e compromisso público que a toga exige.
Enquanto o céu é o limite, para os Senhores da Toga, é sabido que existem distorções históricas no quadro funcional dos servidores do Tribunal de Justiça Pernambucano (que outros Tribunais, com vontade política, já resolveram), a exemplo do pagamento diferenciado entres Oficiais de Justiça, que mesmo tendo as mesmas atribuições legais, recebem 33% a menos; sem falar dos Auxiliares Judiciários, que mesmo executando funções semelhantes à de Técnicos Judiciários, também recebem a menos 33%. E, por fim, a defasagem salarial de mais de 18% que atinge a todos os servidores do poder judiciário estadual.
Abocanhar mais da metade do orçamento para atender a juízes e desembargadores, destinando-lhes verbas privilegiadas, e fechando os olhos para os reclamos de mais de 7 mil trabalhadores, sob a alegação de crise econômica e falta de recursos, é algo sintomático do quão o Poder Judiciário está equivocado, para não dizer outra coisa. Sem os servidores o judiciário não funciona, Excelências.
Quando o Poder Judiciário propõe esses privilégios e o Legislativo assina em baixo, tendo a chancela do Governador, relembramos da distribuição de títulos de nobreza, feita pela Coroa Portuguesa, que aplacava a um só tempo, o desejo imperial e o mundaréu de sanguessugas, em reciprocidade.
O Governador de Pernambuco ao “homenagear” tantos “nobres”, agraciando-os com vantagens pecuniárias vultosas, em detrimento de um povo sedento de atenção, sobretudo, nas áreas de segurança pública, saúde e educação, está na verdade vilipendiando a memória dos revolucionários de 1817.
Faz-se necessário que os atuais homens e mulheres de Pernambuco, nutridos pelo mesmo sentimento dos insurgentes da Revolução Pernambucana possam empunhar a bandeira libertária, impondo limites aos que têm por dever republicano legislar, administrar, julgar e fiscalizar, contrapondo-se a essas ações condenáveis que vem sendo praticados nesse torrão denominado PERNAMBUCO.
Recife, 31 de março de 2017.
**Em homenagem à memória de José Bezerra da Silva (Zito)