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CARTA DE CONJUNTURA FEVEREIRO de 2020

por | fev 11, 2020 | Formação Política

UM OLHAR ACERCA DOS ACONTECIMENTOS QUE ATINGEM A DEMOCRACIA, AS FINANÇAS PÚBLICAS, OS DIREITOS DOS TRABALHADORES E DOS SERVIDORES PÚBLICOS.

EM PAUTA

I – Com retorno das sessões do Congresso governo se prepara para a guerra pela aprovação das Propostas de Emendas Constitucionais 186, 187 e 188;

II – Paulo Guedes chama servidores de parasitas e depois resolve pedir “desculpas”

III – Austeridade para quem? Pergunta o servidor federal e Doutor em Economia Paulo Kliass, em artigo no Portal Carta Maior.

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I – Agora em fevereiro o Congresso Nacional voltou aos trabalhos legislativos. Já nos primeiros dias de sessões os Presidentes da Câmara e do Senado, Rodrigo Maia (DEM-RJ) e Davi Alcolumbre (DEM-AP) se desdobraram em declarações afirmando que iriam se esforçar para conseguir o mais rápido possível a aprovação das emendas constitucionais enviadas em 5 de novembro de 2019 por Jair Bolsonaro. As propostas de emendas constitucionais 186,187 e 188, embora tratem de temas aparentemente distintos, carregam nas entranhas um mesmo objetivo: Criar as condições para que o estado reduza suas despesas de custeio ( pessoal, salário e carreiras, encargos sociais), com os fundos de investimento e com as políticas sociais, para assegurar que, a partir daí a dívida pública passe a ser o fio condutor da política fiscal do estado brasileiro. Tal determinação está, inclusive, colocada no texto da PEC 188, como se vê na nova proposta de redação do artigo abaixo:

– “Art.l65 …………………………………………………………………………………………………….. .

(…)

  • 2° A lei de diretrizes orçamentárias compreenderá as metas e prioridades da administração pública federal estabelecerá a política fiscal e respectivas metas, em consonância com trajetória sustentável da dívida pública, (Grifo nosso).

Além disso, ao encaminhar o texto da PEC ao Senado da República, o Líder do governo Bolsonaro no Senado, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), afirmou também que “a PEC traz urna proposta que define a dívida pública âncora fiscal de longo prazo. De outro modo, a condução da política fiscal, em todos os níveis de governo, deve ser realizada de forma a manter a dívida pública em patamares sustentáveis.”

Ora, tal afirmação implica na submissão do estado (a arrecadação tributária e a execução da política fiscal- o que fazer com as receitas) aos interesses dos donos dos capitais aplicados nos títulos públicos do tesouro nacional, inclusive aqueles entregues pelo tesouro ao Banco Central para a realização de políticas monetária e cambial. Dessa forma todas as funções essenciais a um Estado de Bem-Estar Social ficam esvaziadas, com o financiamento submetido às sobras do que o Estado vai transferir para o pagamento de juros e amortizações da dívida pública. Observando o relatório resumido da execução orçamentária do tesouro nacional até dezembro de 2019, com dados acessíveis no link ao final do texto, vimos que entre pagamento de juros e amortizações foram gastos R$ 560,188 bilhões de reais. Ainda assim foram transferidos para refinanciamento (dada a impossibilidade de o tesouro assumi-los em 2019) um total de R$ 476,775 bilhões de reais. Enquanto isso os dispêndios com pessoal e encargos sociais chegaram a R$ 292,77 bilhões de reais.  O link é o que segue: https://www.tesouro.fazenda.gov.br/documents/10180/352657/RREOdez2019.pdf.

Uma disparidade brutal, uma absoluta inversão de valores. Dirão as versões oficiais que o estado se endivida pois gasta mais do que arrecada. Na prática, não é a dívida que financia o Estado, mas o Estado que vem financiando a acumulação do capital através da dívida pública desde 1999. Prova disso é que a maior parcela dos gastos do tesouro é exatamente com os encargos da dívida pública.

Como vimos na CARTA DE CONJUNTURA de 14 de janeiro, o orçamento de 2020 é mais uma peça de submissão do Estado e do desenvolvimento da nação aos interesses do capital. Agora Bolsonaro e Paulo Guedes querem fazer pior do que fez Temer com a Emenda Constitucional 95/2016, através da qual os investimentos sociais e de infraestrutura estão congelados desde 2017. A explosão da dívida pública, mesmo com a redução da taxa SELIC, está relacionada com o baixíssimo crescimento do PIB, seu vencimento em curtíssimo prazo e com a elevada parcela de operações compromissas do Banco Central com os bancos, hoje em 16% do Produto Interno Bruto, R$ 1,089 trilhão de reais, quando em 2006 era de , apenas, 3%. Nessas operações, como já vimos anteriormente, os bancos depositam no Banco Central, diariamente, os excedentes de caixa, recebendo títulos públicos em valor de face equivalente. Em poucos dias, semanas e meses, o Banco Central recompra os títulos entregue aos bancos e lhes paga a taxa SELIC por essas operações. Ou seja, bancos ganham sem emprestar um centavo à economia real. Privilégio rentista inaceitável numa sociedade absurdamente desigual e com elevadíssima taxa de desemprego.

  1. Paulo Guedes faz discurso na Fundação Getúlio Vargas, em São Paulo, defende reforma administrativa e ataca servidores chamando-os de “parasitas”. Dias depois resolveu pedir “desculpas”.

Como em outras ocasiões com ministros de  governos anteriores, Paulo Guedes, atual Ministro da Economia, foi defender a agenda de reformas contidas nas três propostas de emendas constitucionais 186, 187 e 188. Falando para membros da FGV em São Paulo soltou o verbo e chamou de parasitas os servidores públicos, sendo aplaudido pelos presentes. Guedes, Henrique Meirelles e tantos outros tem o costume de falar grosso em plateias de empresários, mas jamais comparecem ou se comunicam com honestidade em portas de fábricas, comércio, bancos, entidades do serviço público, refinarias ou assentamentos, como se a condução econômica do país servisse apenas aos empresários. São covardes e elitistas. Vendo a péssima repercussão de sua inoportuna acusação aos servidores, Guedes resolveu pedir desculpas, mas não retirou da pauta do Congresso nenhuma das três propostas de emendas constitucionais que atacarão, sem dúvida, direitos de servidores e o financiamento do serviço público no país. A agenda de enfrentamento dessas PECs se constitui na pauta central da luta dos servidores públicos, das famílias pobres que dependem do SUS e da escola pública para seus filhos. Propor que a gestão fiscal do estado (PEC 188/2019) passe a se submeter à sustentabilidade da dívida pública sem questionar sua formação, estrutura e mecanismos de expansão é um crime contra o país e o financiamento do bem-estar para a maioria da população. Um governo e uma política fiscal apenas para servir ao neoliberalismo e à acumulação rentista do capital. Respondendo aos ataques covardes de Guedes aos servidores foi composta a seguinte marchinha no último dia 7 de fevereiro em São Paulo, quando a realização do 39º Congresso Nacional do ANDES-Sindicato Nacional dos Docentes:

Somos todos parasitas, gostamos de trabalhar

O nosso salário é suado, não venha nos aporrinhar (Refrão)

Fecha sua boca imunda, respeite o trabalhador

O Estado só chega ao povo pela mão do servidor

Somos todos parasitas (Refrão)

Parasita é você, que vive da especulação

Ganha muito e não trabalha

Você é quem quebra essa nação!

A letra e a música são de autoria do Professor Paulo Rubem Santiago, Professor da UFPE, Mestre e Doutorando em Educação, Delegado eleito e que esteve presente ao 39º Congresso do ANDES, de 3 a 9/02 na USP, em São Paulo.

Na prática, como vimos em janeiro, desde 1999 no Brasil, o “sistema” da dívida pública transformou-se na modalidade mais segura e agressiva de acumulação e criação de novos valores para o capital, embora permaneçam fatias do capital aplicadas no agronegócio, na indústria e nos serviços não-financeiros.

III – Austeridade para quem? Pergunta o servidor federal e Doutor em Economia Paulo Kliass, em artigo no Portal Carta Maior.

A lógica da austeridade fiscal, uma ideia perigosa segundo o Professor Mark Blith, da Universidade de Brown, nos Estados Unidos, visa apenas submeter o Estado às políticas de cortes de salários, suspensão de concursos e progressões nas carreiras do serviço público, congelamento e contingenciamento de verbas para o financiamento da educação, da saúde, da reforma urbana e da reforma agrária, da ciência e tecnologia e da infraestrutura. Desde 1999, com a inserção das metas de superávit primário nas leis de diretrizes orçamentárias anuais, o país tem sido submetido a essa lógica. Por isso importantes autores têm questionado o significado dessa lógica e suas consequências. Um dos mais críticos a essa ideologia da austeridade chama-se Paulo Kliass, servidor federal da carreira de Planejamento e Gestão Pública e Doutor em Economia pela Universidade de Paris. Seu mais recente artigo, intitulado “Austeridade para quem? “põe o dedo na ferida dos interesses do capital e do neoliberalismo.

Confira em https://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Economia-Politica/Austeridade-fiscal-para-quem-/7/46387 .

Segundo o autor

(…) algumas das principais maldades encomendadas pelo núcleo duro de Bolsonaro referem-se às Propostas de Emenda Constitucional (PECs) já enviadas ao poder legislativo no final do ano passado. São as PECs 186, 187 e 188, apelidadas sarcasticamente pelo governo de “Plano Mais Brasil”. Além disso, ao que tudo indica, ainda estão em compasso de espera na cozinha do Palácio do Planalto as demais medidas relativas à chamada Reforma Administrativa. Todo esse amplo conjunto envolve proposições que têm por objetivo única e exclusivamente promover a redução de despesas públicas. Como sabemos, Paulo Guedes incorpora a missão de destruição do Estado brasileiro e também de promover o desmonte das políticas públicas ainda vigentes (Kliass,2020).

Ainda segundo Kliass

Esse movimento de preferência pelo domínio do financeiro tem sido reforçado desde a consolidação da estratégia do austericídio como o elemento central da política econômica do governo federal em 2015. A combinação de uma verdadeira obsessão pelo corte de despesas orçamentárias e a manutenção de taxas de juros bastante elevadas promoveu o ingresso da economia brasileira na mais profunda e prolongada recessão de nossa História. O agravante de todo esse processo foi o início de um período de redução das receitas tributárias derivadas da diminuição do PIB por sucessivos 4 anos. (Ibid,2020)

Afinal, austeridade para quem?

Paulo Kliass conclui o artigo afirmando:

Caso a intenção seja verificar a sinceridade do argumento da austeridade a partir do momento em que ela se implantou com maior vigor, os números traem ainda mais o discurso do financismo. Entre janeiro de 2015 e outubro do ano passado, o total de despesas com juros atingiu R$ 1,8 tri. Esse dado representa um gasto mensal equivalente a R$ 31 bi, ou seja, um gasto anual de R$ 372 bi.
Assim, percebe-se que os gastos financeiros foram mais do que privilegiados ao longo do período. Eles representaram, desde 2015, a maior rubrica individual do gasto do governo federal. Seus valores de R$ 1,8 tri foram superiores aos gastos com pessoal (R$ 1,5 tri) e à cobertura das diferenças entre receitas e despesas na contas do Regime Geral da Previdência Social – RGPS (R$ 0,8 tri) realizados no mesmo período. Mas os argumentos falaciosos do governo são ecoados sem a menor cerimônia pelos grandes meios de comunicação e pelos chamados “formadores de opinião”. Tanto que a própria “oposição” de direita até realiza alguma crítica ao que considera “exageros” de Bolsonaro, mas revela-se uníssona na defesa da pauta econômica daquele que iniciou sua carreira profissional como assessor de Pinochet. A campanha em prol das reformas destruidoras do Estado e de suas políticas inclusivas tenta se reforçar na mentira da ausência de recursos orçamentários. O governo, coitadinho, estaria quebrado. Ora, a mais recente demonstração das estatísticas do Banco Central revela exatamente o oposto. Na condição de operador do Tesouro Nacional junto ao mercado financeiro, os demonstrativos da nossa autoridade monetária nos revelam que a chamada “Conta Única do Tesouro Nacional” apresenta um saldo credor e disponível de R$ 1,2 trilhão

Na CARTA DE CONJUNTURA de 14 de janeiro passado já havíamos nos referido a outro artigo de Paulo Kliass, escrito em 17 de julho de 2019. intitulado “Qual reforma tributária? “, também publicado no portal Carta Maior.

Vale a pena associar o artigo acerca da “Austeridade” ao outro, que tratou da reforma tributária. Ao final do texto de julho do ano passado o autor afirmara que “o importante é desfazer o equívoco de que reformar a tributação significaria reduzir impostos. Não, de modo algum. O sistema de organização social e econômico previsto em nossa Constituição é um mínimo de garantia de vida digna para maioria de nossa população. E para que ele funcione de forma adequada são necessários recursos em posse do Tesouro Nacional. A Reforma Tributária deve conceber um modelo que assegure esse conjunto de direitos e promova maior justiça fiscal. Isso significa fazer com que os setores que sempre foram beneficiados pela isenção, pela desoneração e pela não existência de tributos em algumas atividades passem a contribuir de forma solidária.”

O artigo está disponível no link https://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Economia-Politica/Qual-reforma-tributaria-/7/44695.

Sugestões bibliográficas

Adendamos aqui às sugestões anteriormente feitas dois novos títulos e os seguintes links:

A INDUSTRIA DOS FUNDOS FINANCEIROS, potência, estratégias e mobilidade no capitalismo contemporâneo, Roberto Moraes Pessanha, Editora Consequência, Rio de Janeiro, 2019.

O GOVERNO DO HOMEM ENDIVIDADO, Maurizio Lazzarato, N-1 Edições, São Paulo, 2017.

A LOUCURA DA RAZÃO ECONÔMICA – David Harvey, Editora Boitempo, 2018, São Paulo.

https://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Cartas-do-Mundo/Carta-de-Paris-Franceses-resistem-ao-rolo-compressor-neoliberal/45/46231

https://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Memoria/A-heranca-perversa-do-colonialismo-racista/51/46237

https://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Que-Justica-e-essa-/Direito-Achado-na-Rua-30-anos-de-demandas-sociais-e-a-efetivacao-de-direitos-coletivos/62/46249

https://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Economia-Politica/EUA-debate-publico-reacende-necessidade-de-mais-Estado-na-economia/7/46241

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